O Tarô como ferramenta filosófica – espelho da alma e guia simbólico no tempo
Quando comecei a estudar o tarô, como muitas pessoas, me encantei pelas imagens e pela possibilidade de “entender o que estava por vir”. Com o tempo, e com a vivência de quem lê cartas com responsabilidade, percebi que o tarô não fala do futuro como algo fixo, mas como uma tendência viva.
Sim, ele pode apontar prognósticos. Ele pode — e deve — ser usado para previsões.
Mas essas previsões não são como placas de mármore gravadas com o que vai acontecer. São mais como bússolas simbólicas, que nos mostram o que pode emergir se continuarmos como estamos — e, ao mesmo tempo, revelam onde há espaço para ação consciente e transformação.
Nesse sentido, o tarô se aproxima da filosofia: ele não nos diz o que pensar, mas nos mostra com o que precisamos pensar agora.
Filosofia viva: o tarô como provocação à consciência
A filosofia não é um campo reservado a acadêmicos ou livros difíceis. Ela nasce da inquietação — e o tarô, quando bem utilizado, é uma fábrica de inquietações.
Cada carta é um espelho. Mas não um espelho liso, e sim simbólico, que reflete aspectos do inconsciente, emoções sutis, desejos não assumidos e decisões ainda em gestação.
A cada tiragem, o consulente se vê diante de perguntas filosóficas:
- “Estou vivendo no piloto automático?”
- “Minhas escolhas estão em sintonia com minha essência?”
- “Que partes de mim estou evitando encarar?”
O tarô não é só um método de leitura, mas de escuta. E escutar a si mesmo, profundamente, é um ato filosófico.
Uma vivência com o Louco: entre o salto e a consciência
Não posso deixar de contar o dia em que o tarô me confrontou com o Louco.
Era um período de estagnação: no trabalho, na vida pessoal, no corpo. Eu me sentia presa entre responsabilidades e expectativas. No fundo, sabia que algo precisava mudar — mas faltava coragem.
Tirei o Louco. E, na hora, pensei: “isso é irresponsabilidade”.
Mas ele não sorriu nem me desafiou. Apenas existiu. Com o sol nas costas, o cachorro latindo, e o abismo à frente.
A carta me lembrou de uma frase de Kierkegaard:
“A fé é o salto no escuro — mas consciente.”
Percebi que não era sobre sair abandonando tudo. Era sobre acreditar que o movimento é parte do caminho, mesmo sem garantias. E naquele dia, comecei a dividir meus textos sobre tarô. Foi meu salto.
Prognóstico ou previsão? O que o Tarô realmente nos mostra
Há quem diga que o tarô não prevê. Mas aprendemos com Ana Marques, é preciso compreender o que se quer dizer com “previsão”.
O tarô pode sim oferecer prognósticos, ou seja, possibilidades futuras dentro de um campo de energia e ação atual. Ele mostra, com base no momento presente, o que tende a acontecer se nada mudar. E também mostra onde há poder de escolha, adaptação, ruptura ou reforço de padrões.
Essa visão mais ampla respeita o livre-arbítrio.
Não se trata de negar o futuro — mas de não tratá-lo como inevitável.
Ainda, como bem pontua Ricardo Pereira, tarólogo e historiador, a previsão no tarô pode ser entendida de diversas formas legítimas: prognóstico, presságio, antevisão, análise de tendências, entre outras. Todas essas formas partilham de um princípio comum: a ideia de futuro como possibilidade, não como sentença. Ao prever, o tarô não nos aprisiona — nos alerta e orienta. Ele não elimina o livre-arbítrio; ele o convoca.
Como diz o tarólogo e Mestre Nei Naiff:
“O tarô mostra o possível, não o obrigatório.”
E é exatamente aqui que reside sua força filosófica. Ele nos lembra que toda previsão é uma chance de decisão.
A presença do livre-arbítrio nas cartas: entre escolhas e padrões
O que é liberdade? Fazer o que se quer? Ou ter consciência das opções e agir de forma responsável?
No tarô, liberdade não é total — mas também não é inexistente.
É um espaço intermediário: entre as cartas que nos influenciam e os gestos que podemos realizar.
Um exemplo disso é o Sete de Copas: a carta das ilusões, das escolhas múltiplas. Ela mostra que o problema não é não ter opções — é não saber o que queremos de verdade.
Já o Dois de Ouros fala da dança constante entre escolhas práticas e equilíbrio.
E o Mago, com seus quatro elementos sobre a mesa, nos pergunta:
“O que você fará com o que tem nas mãos agora?”
Nesse processo, às vezes a consciência chega com dor — como nos mostra o Três de Espadas, um arcano que revela rupturas, desilusões ou a verdade que corta.
Mas é nessa dor simbólica que o livre-arbítrio amadurece. É ali que percebemos que podemos escolher não repetir padrões, não seguir na mesma direção.
O tarô filosofa com imagens. E nos coloca no centro do palco. Nós somos os protagonistas. Mesmo que nem sempre estejamos conscientes disso.

Entre tendência e previsão: o jogo das palavras e o poder dos símbolos
Nos últimos anos, muitos profissionais passaram a usar a expressão “análise de tendências” como uma forma de tornar o tarô mais aceitável ou menos “místico”. Mas como bem observa o pesquisador Dário Caldas, toda tendência já carrega em si uma ideia de futuro — de direção. Negar isso seria negar a própria essência do tarô como oráculo simbólico.
Ricardo Pereira argumenta que restringir o tarô apenas à dimensão terapêutica, como se fosse incompatível com a previsão, é desconsiderar a pluralidade de usos que o tarô sempre teve: simbólico, filosófico, divinatório, lúdico, pedagógico. E mais: análise de tendências também é previsão, mesmo que com outra roupagem.
A linguagem simbólica do tarô não está presa a um único modelo de atuação. Pelo contrário, ela pulsa em múltiplas camadas: do inconsciente ao cotidiano, do autoconhecimento à tomada de decisão prática. E tudo isso pode — e deve — ser objeto de estudo, pesquisa, reflexão e prática, como ocorre nas melhores tradições oraculares do mundo.
A Torre e a destruição necessária: quando ruir é libertar
Nenhuma carta me ensina mais sobre livre-arbítrio do que a Torre.
À primeira vista, ela representa desastres, rupturas, perdas. Mas com o tempo, compreendi que a Torre não destrói o que é sólido — ela destrói o que foi construído sobre ilusões.
Quando ela caiu em uma tiragem que fiz sobre uma decisão profissional, eu resisti. Queria manter tudo como estava. Mas o tempo mostrou: eu estava sustentando algo que já não fazia sentido. E quanto mais me agarrava, mais doía.
A Torre mostra que, às vezes, o livre-arbítrio está em como escolhemos reconstruir — não em evitar a queda.
Ela não é castigo. É cura brutal. Filosofia em forma de colapso.
A Sacerdotisa e o tempo do silêncio: filosofia feminina e simbólica
A carta da Sacerdotisa sempre me encantou. Ela não fala — mas tudo nela é símbolo. A Lua aos pés, o véu atrás, o livro fechado.
Ela representa o conhecimento interno que só surge no silêncio.
Na minha trajetória como mulher autista, muitas vezes precisei de silêncio para entender o mundo. E, como mãe, também aprendi que há sabedoria em observar antes de agir.
A Sacerdotisa é uma filosofia viva. Uma filosofia que não precisa de retórica, apenas de presença.
Ela nos ensina que nem todo saber precisa ser verbalizado. Às vezes, o saber se faz em pausa.
Os Arcanos Maiores como jornada de individuação
O tarô não é apenas um baralho — é uma narrativa arquetípica. Os 22 Arcanos Maiores formam uma jornada que lembra muito a proposta de Jung: o processo de individuação.
- O Louco inicia a jornada como impulso puro
- O Eremita nos ensina a caminhar para dentro
- A Morte nos força a encerrar ciclos
- O Mundo nos mostra a integração
Cada arcano maior pode ser visto como um estágio existencial.
Estão todos dentro de nós, em diferentes fases. Estão em nossas perguntas, crises, amores e despedidas.
É a jornada do herói — ou da heroína — com um baralho como mapa. E cada leitura é um pedaço do caminho sendo iluminado.
Entre o Direito e o Tarô: conciliação entre lógica e símbolo
Costumo dizer que o Direito e o Tarô não são opostos, mas complementares.
O Direito olha para a ordem do mundo visível. O Tarô, para o mundo invisível.
Ambos lidam com decisões, consequências, escolhas, justiça e equilíbrio.
Em uma leitura de tarô, o raciocínio jurídico pode ajudar na estrutura — mas o símbolo sempre escapa das margens. Ele respira. Ele desafia. Ele propõe novas formas de ver.
E é nesse ponto que minha mente e minha alma se encontram.
Não preciso escolher entre um e outro. Posso ser ponte.
A filosofia nos ensina a buscar o equilíbrio entre razão e emoção, entre o visível e o invisível. E, como taróloga e servidora pública formada em Direito, vivo essa tensão todos os dias. O Tarô e o Direito me ensinam sobre responsabilidade, consequências e escolhas. Mas o Tarô vai além: ele me permite acessar o que não cabe nos códigos — o invisível, o subjetivo, o simbólico. E é nesse ponto que minha mente e minha alma se encontram. Essa também é uma forma de viver o livre-arbítrio com consciência.
Tarô como prática de escuta filosófica
Muitas vezes, não tiramos cartas para saber “o que fazer”, mas para entender “como estamos”.
Essa prática — de olhar o símbolo e escutar o que ele ressoa — é profundamente terapêutica e filosófica.
Não é diferente de um diálogo socrático. Só que o interlocutor é o inconsciente. E a resposta vem em imagens.
Todos os dias, puxo uma carta. Às vezes escrevo sobre ela. Às vezes só observo.
E sempre, sempre, ela me dá algo para pensar.
Leituras complementares
- Livros:
“Tarô: Simbologia e Ocultismo (Volume 1)“, Nei Naiff - Sites:
Clube do Tarô – Leituras e destino - Artigos do blog:
“O Enforcado no Tarot: O Que o Arquétipo da Rendição Ensina Sobre Mudança“
FAQ – Tarô como ferramenta filosófica
1. O que significa usar o tarô como ferramenta filosófica?
Significa encarar o tarô como uma linguagem simbólica que propõe perguntas profundas sobre nossa vida, escolhas, propósito e identidade. Em vez de buscar respostas prontas, o tarô filosófico oferece caminhos de reflexão e autoconhecimento, baseados em arquétipos e vivências internas.
2. O tarô acredita em destino ou livre-arbítrio?
O tarô não “acredita” — ele revela. Mostra tendências, padrões e possibilidades. As cartas podem indicar o que tende a acontecer, mas o resultado depende da sua escolha. O tarô respeita o livre-arbítrio, e mostra o que pode ser transformado com consciência.
3. Como o tarô pode ajudar no autoconhecimento?
O tarô atua como um espelho simbólico, trazendo à tona aspectos do inconsciente. Ele ajuda a nomear sentimentos, entender repetições, ampliar a visão sobre dilemas e despertar a escuta interior. Cada carta é uma lente para olhar para si mesmo com mais verdade e menos julgamento.
4. O tarô tem relação com alguma corrente filosófica?
Sim. Dialoga com o existencialismo (liberdade e responsabilidade), com a fenomenologia (experiência vivida), e com a psicologia arquetípica (Jung, Hillman). Também se aproxima do estoicismo ao propor aceitação ativa e do hermetismo como visão simbólica do mundo.
5. Posso estudar tarô mesmo sendo cético?
Claro! O tarô não exige crença, mas sensibilidade simbólica. Você pode estudar e praticar tarô como uma ferramenta reflexiva, mesmo que não acredite em espiritualidade. O importante é estar disposto a dialogar com imagens e significados internos.
6. Qual a diferença entre tarô terapêutico e adivinhatório?
O tarô adivinhatório foca em eventos futuros. O terapêutico foca em você, aqui e agora. Ambos podem coexistir — o importante é como se usa a informação: como forma de controle, ou como convite à consciência. No tarô terapêutico, a previsão vira reflexão.
7. Existe uma carta no tarô que represente o livre-arbítrio?
Sim, e talvez a mais emblemática seja o O Mago. Ele tem à disposição os quatro elementos, mas precisa escolher como usá-los. Representa potencial, começo consciente, decisão ativa. Outras cartas que simbolizam escolha: Os Enamorados e o Dois de Paus.
Sua vez
E você? Como vê o tarô: como destino ou caminho de escolhas?
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